Num timbre que se eleva indefinitivamente
canta da vida e do desespero,
como se morresse.
Descem-lhe lágrimas pela face
notas de tristeza, melodia suave
indistinta da noite.
O amor são destroços, e a música
a mão que os recolhe e junta:
O fado é o poema
vestido de luto
- e sem ele eu não
seria tão completa -
27-11-2009
sábado, 28 de novembro de 2009
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
À lareira
A casa dos teus braços é
uma casa grande, com um longo
corredor onde dá vontade de correr.
Pelas janelas abertas entra
o luar arrepiado de gatos, e
do tecto vem o som de asas
que colidem. Há leitos pelo chão,
formando pequenos ninhos de ternura,
e corre uma melodia silenciosa
como água pelas paredes
- mas tu estás sempre presente.
Estás presente nos laranjas do fogo que
crepita, numa espécie de
murmúrio surdo e contínuo de beijos.
Neste amor, o teu sorriso
uma casa grande, com um longo
corredor onde dá vontade de correr.
Pelas janelas abertas entra
o luar arrepiado de gatos, e
do tecto vem o som de asas
que colidem. Há leitos pelo chão,
formando pequenos ninhos de ternura,
e corre uma melodia silenciosa
como água pelas paredes
- mas tu estás sempre presente.
Estás presente nos laranjas do fogo que
crepita, numa espécie de
murmúrio surdo e contínuo de beijos.
Neste amor, o teu sorriso
é a porta de entrada.
24-02-2008 Benedita
24-02-2008 Benedita
domingo, 15 de novembro de 2009
Dying
Sabemos que dormir é como morrer
e tememos cada manhã não mais
despertar; ainda assim dormimos,
e sempre que abrimos os olhos agradecemos
a sorte de podermos morrer todas as noites
para ressuscitarmos dos sonhos
e tememos cada manhã não mais
despertar; ainda assim dormimos,
e sempre que abrimos os olhos agradecemos
a sorte de podermos morrer todas as noites
para ressuscitarmos dos sonhos
1-o7-2009
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Sentidos
Vivemos rodeados de amigos
e dos famíliares dos amigos,
incapazes de verdadeiramente
nos soltarmos, ou de pelo
menos nos perdermos de vez.
Vamos seguindo a vertigem
do conhecimento
(electrónico-carnal) que
desvendamos, por trás
de sorrisos ocasionais e
ocos de sentido, sem chegarmos
à verdade que nos salvaria.
Como esponjas
secas e poirentas.
26-09-2009
e dos famíliares dos amigos,
incapazes de verdadeiramente
nos soltarmos, ou de pelo
menos nos perdermos de vez.
Vamos seguindo a vertigem
do conhecimento
(electrónico-carnal) que
desvendamos, por trás
de sorrisos ocasionais e
ocos de sentido, sem chegarmos
à verdade que nos salvaria.
Como esponjas
secas e poirentas.
26-09-2009
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
São segredos
O corpo abandonado depois do amor
derrama-se pela cama em luz ávida
de atenção. Os traços são líquidos
como os próprios fluídos projectados
com violência de ser para ser,
sincronizações involuntárias servindo
para atrair a normalidade
- Gestos que se mostram apenas
encobertos pelo desejo de se calarem.
26-09-2009
derrama-se pela cama em luz ávida
de atenção. Os traços são líquidos
como os próprios fluídos projectados
com violência de ser para ser,
sincronizações involuntárias servindo
para atrair a normalidade
- Gestos que se mostram apenas
encobertos pelo desejo de se calarem.
26-09-2009
domingo, 1 de novembro de 2009
Para os outros (2)
Como é que alguém pode sobreviver tanto tempo apenas lendo? No meu caso, o destino tinha-se encarregado de me dar antecipadamente a resposta, na forma de um tio rico e convenientemente falecido. Por isso nunca me tinha preocupado muito com uma forma de subsistência; limitava-me a comprar livros a todos os preços, que depois vendia por aquilo que me quisessem dar. Comia pouco, e dormia em qualquer parte. Fará sentido, desta forma, o que direi a seguir: tropecei (na verdade ia caindo, pormenores de gravidade) num jornal aberto no chão, e quase caí de nariz num anúncio inédito: Precisa-se leitor(a). Nem consegui ler mais nada - o que é, pode-se imaginar, muito estranho em mim - até ao dia seguinte, em que acordei embriagado com a perspectiva da entrevista que me esperava. (A suprema ironia, contudo, esperava-me na casa da velha senhora que tinha posto o anúncio.)
A casa da Sra. Antoinette cheirava a mofo e a napperons, como todas as casas de senhoras da sua idade costumam cheirar. Não tinha gatos, felizmente; tivesse e não teria conseguido destrinçar realidade e ficção, quando tremendo muito ela me pediu para tirar a Bíblia do móvel e começar a leitura pelo Evangelho de S.Lucas. Já tinha lido a Bíblia, claro - nem a religião tinha resistido à minha fúria devoradora. Tinha até lido versões mórmones e baptistas, e não havia nada mais prevísivel para a sua idade e posição do que esta sua escolha. Sentei-me solenemente na cadeira que me ofereceu, abri os santos evangelhos com precisão matemática, aclarei a voz. Sentia-me peixe na água, criminoso perdoado ao fim de anos de penitência. A solução estava ali, dentro de mim e à minha volta, o objectivo a formar-se diante dos meus olhos sem que eu pudesse fazer nada para o alterar. Não quereria alterá-lo, longe disso; esperava-o sorridente e de braços abertos, numa ânsia quase desesperada. Foi aqui que o Destino ou a Fortuna (quiçá os dois) resolveu dar a estocada final. E dois parágrafos depois a Sr. Antoinette pediu-me polidamente para parar. "Desculpe..." Basicamente não gostou da minha leitura. Despediu-se com muitas delicadezas, e pedidos de desculpa pelo incómodo.
Eu, que certamente havia lido mais do que qualquer outra pessoa no mundo, não sabia ler em voz alta.
A casa da Sra. Antoinette cheirava a mofo e a napperons, como todas as casas de senhoras da sua idade costumam cheirar. Não tinha gatos, felizmente; tivesse e não teria conseguido destrinçar realidade e ficção, quando tremendo muito ela me pediu para tirar a Bíblia do móvel e começar a leitura pelo Evangelho de S.Lucas. Já tinha lido a Bíblia, claro - nem a religião tinha resistido à minha fúria devoradora. Tinha até lido versões mórmones e baptistas, e não havia nada mais prevísivel para a sua idade e posição do que esta sua escolha. Sentei-me solenemente na cadeira que me ofereceu, abri os santos evangelhos com precisão matemática, aclarei a voz. Sentia-me peixe na água, criminoso perdoado ao fim de anos de penitência. A solução estava ali, dentro de mim e à minha volta, o objectivo a formar-se diante dos meus olhos sem que eu pudesse fazer nada para o alterar. Não quereria alterá-lo, longe disso; esperava-o sorridente e de braços abertos, numa ânsia quase desesperada. Foi aqui que o Destino ou a Fortuna (quiçá os dois) resolveu dar a estocada final. E dois parágrafos depois a Sr. Antoinette pediu-me polidamente para parar. "Desculpe..." Basicamente não gostou da minha leitura. Despediu-se com muitas delicadezas, e pedidos de desculpa pelo incómodo.
Eu, que certamente havia lido mais do que qualquer outra pessoa no mundo, não sabia ler em voz alta.
Benedita, 31 de Julho de 2009
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