segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Expiração

Murmuro
o teu nome
ao adormecer

como se respirasse

19-11-2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

natureza das coisas

Não te tenho mais do que
a chuva que cai de mansinho
ou as ondas que se espraiam
na costa, mas dorme comigo
uma certeza calma, e adivinho
que ninguém sente a chuva
e o mar como eu.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Ode à eternidade

"Si nous habitons un éclair, il est le coeur de l'éternel" René Char

Lado lunar de uma estrela ardida, sento-me nas arcadas.
Falo para as paredes para o tecto para o céu
Aquele que tu vês invertido numa lógica que escapa
Aos alcances humanos, prova irrefutável da tua divindade.

Como tudo o que não sou e que gostava de ser
Te falo e te imploro, responde, cala
E a medida do meu amor é não se medir
Por tempo, espaço ou outra convenção qualquer
Daquelas que eles inventaram para ser relativas.

Vejo-te usar a luz ao pulso, o meu coração à banda,
Ficam-te bem.
Quem me dera não ser este pensamento, esta idade,
Presa por candeias de fumo que mais não fazem
Senão perder-nos em nevoeiro.

Quando afinal.

Tu eu qual é a diferença
Se do teu peito ao meu a distância é nula,
Se os teus reflexos iluminam ou obscurecem os meus sentidos
E o braço que levas ao chão é para me amparar a queda.

Maneira de Ser/Estar, Hora Momento,
Ensina-me!
Faz-me ver por onde errei até ti.
(Caminhos de que não me lembro.)

Porque os meus passos não foram certos como
Os teus nem o almejam ser,
Na palma da tua mão repousam todos os sonhos do mundo
E neles constróis esta mulher-criança.

Perdi muitas oportunidades, de ser quem era e de ser quem sou,
Fui muito o que esqueci e que talvez nunca tenha sido.
Ajuda-me a voltar a não ser o que não queira
E a encontrar o que afinal serei um dia, este ou outro qualquer
Em que me encontre contigo como agora.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Viagens

Caminhando pela lombada dos
livros que compõem a estante
subo escadas e desço planícies
quase sempre sozinha, algumas
vezes cheia de vozes
dentro de mim.
Não ouço uma mensagem
clara nem sequer o que
poderia considerar um aviso
- as entranhas das obras
grandes e as brechas das
pequenas a assomarem -
sinto somente um arrepiar de
páginas por escalar e de rios
de palavras que desconheço.

26-Setembro-2009

sábado, 28 de novembro de 2009

Pelas pedras da calçada

Num timbre que se eleva indefinitivamente
canta da vida e do desespero,
como se morresse.

Descem-lhe lágrimas pela face
notas de tristeza, melodia suave
indistinta da noite.

O amor são destroços, e a música
a mão que os recolhe e junta:

O fado é o poema
vestido de luto
- e sem ele eu não
seria tão completa -

27-11-2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

À lareira

A casa dos teus braços é
uma casa grande, com um longo
corredor onde dá vontade de correr.

Pelas janelas abertas entra
o luar arrepiado de gatos, e
do tecto vem o som de asas
que colidem. Há leitos pelo chão,
formando pequenos ninhos de ternura,
e corre uma melodia silenciosa
como água pelas paredes
- mas tu estás sempre presente.

Estás presente nos laranjas do fogo que
crepita, numa espécie de
murmúrio surdo e contínuo de beijos.

Neste amor, o teu sorriso
é a porta de entrada.

24-02-2008 Benedita

domingo, 15 de novembro de 2009

Dying

Sabemos que dormir é como morrer
e tememos cada manhã não mais
despertar; ainda assim dormimos,
e sempre que abrimos os olhos agradecemos
a sorte de podermos morrer todas as noites
para ressuscitarmos dos sonhos

1-o7-2009

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sentidos

Vivemos rodeados de amigos
e dos famíliares dos amigos,
incapazes de verdadeiramente
nos soltarmos, ou de pelo
menos nos perdermos de vez.
Vamos seguindo a vertigem
do conhecimento
(electrónico-carnal) que
desvendamos, por trás
de sorrisos ocasionais e
ocos de sentido, sem chegarmos
à verdade que nos salvaria.

Como esponjas
secas e poirentas.

26-09-2009

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

São segredos

O corpo abandonado depois do amor
derrama-se pela cama em luz ávida
de atenção. Os traços são líquidos
como os próprios fluídos projectados
com violência de ser para ser,
sincronizações involuntárias servindo
para atrair a normalidade
- Gestos que se mostram apenas
encobertos pelo desejo de se calarem.

26-09-2009

domingo, 1 de novembro de 2009

Para os outros (2)

Como é que alguém pode sobreviver tanto tempo apenas lendo? No meu caso, o destino tinha-se encarregado de me dar antecipadamente a resposta, na forma de um tio rico e convenientemente falecido. Por isso nunca me tinha preocupado muito com uma forma de subsistência; limitava-me a comprar livros a todos os preços, que depois vendia por aquilo que me quisessem dar. Comia pouco, e dormia em qualquer parte. Fará sentido, desta forma, o que direi a seguir: tropecei (na verdade ia caindo, pormenores de gravidade) num jornal aberto no chão, e quase caí de nariz num anúncio inédito: Precisa-se leitor(a). Nem consegui ler mais nada - o que é, pode-se imaginar, muito estranho em mim - até ao dia seguinte, em que acordei embriagado com a perspectiva da entrevista que me esperava. (A suprema ironia, contudo, esperava-me na casa da velha senhora que tinha posto o anúncio.)

A casa da Sra. Antoinette cheirava a mofo e a napperons, como todas as casas de senhoras da sua idade costumam cheirar. Não tinha gatos, felizmente; tivesse e não teria conseguido destrinçar realidade e ficção, quando tremendo muito ela me pediu para tirar a Bíblia do móvel e começar a leitura pelo Evangelho de S.Lucas. Já tinha lido a Bíblia, claro - nem a religião tinha resistido à minha fúria devoradora. Tinha até lido versões mórmones e baptistas, e não havia nada mais prevísivel para a sua idade e posição do que esta sua escolha. Sentei-me solenemente na cadeira que me ofereceu, abri os santos evangelhos com precisão matemática, aclarei a voz. Sentia-me peixe na água, criminoso perdoado ao fim de anos de penitência. A solução estava ali, dentro de mim e à minha volta, o objectivo a formar-se diante dos meus olhos sem que eu pudesse fazer nada para o alterar. Não quereria alterá-lo, longe disso; esperava-o sorridente e de braços abertos, numa ânsia quase desesperada. Foi aqui que o Destino ou a Fortuna (quiçá os dois) resolveu dar a estocada final. E dois parágrafos depois a Sr. Antoinette pediu-me polidamente para parar. "Desculpe..." Basicamente não gostou da minha leitura. Despediu-se com muitas delicadezas, e pedidos de desculpa pelo incómodo.

Eu, que certamente havia lido mais do que qualquer outra pessoa no mundo, não sabia ler em voz alta.

Benedita, 31 de Julho de 2009

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Para os outros (1)

Sou um bom leitor. Durante muito tempo acalentei o sonho secreto de escrever longos romances, versos fugidios e sedosos como o mar. Mas depressa percebi que não era essa a minha verdadeira vocação. Na altura o pensamento atingiu-me repentinamente, com a força como a de um relâmpago inegável, e não tive outra hipótese senão repeti-lo baixinho a mim próprio: "Sou um bom leitor." Era-o ainda mais porque parecia estar a ler palavras gravadas no interior da minha própria cabeça, compostas naquela exacta ordem muito antes de mim para serem recitadas. Durante dias e noites em branco tive a oportunidade de confirmar a vocação, percorrendo vorazmente parágrafos inteiros, tomado de uma sôfrega sede. Primeiro os grandes pilares da civilização, as leituras clássicas, os estereótipos. Depois os melhores romances contemporâneos, biografias históricas, as obras que poetas e prosadores levaram a vida inteira a compor. Estendi-me um pouco pelo campo da astrofísica e das matemáticas, mas percebia bem que não preenchiam a minha necessidade de letras e de histórias. Necessidade que, por fim, começou a pesar, carente de um objectivo concreto - além do extremamente vago de ler tudo o que alguma vez havia sido escrito. Não porque o achasse inalcançável ou sequer demasiado complicado; simplesmente ler por ler já não me satisfazia. Precisava de mais.

Comecei a aprender línguas novas para não ter de ler traduções em que nem sempre podia confiar. Aprendi finlandês enquanto lia em francês Proust, Balzac e Malraux, árabe para finalmente compreender as Mil e Uma Noites enquanto percorria Borges, Gárcia Marquéz e Jiménez em castelhano. Quando já lia fluentemente (se é que se pode ler como se fala, com a pontuação correctamente colocada, páginas por ordem e capítulos numerados) em mais de trinta línguas, senti mais uma vez a carência de algo mais profundo que me iniciara antes nessa empresa linguística. Desta vez não havia como escapar ao sentimento de desolação que me assolava quando a custo abria um livro e tentava , pelo menos, folheá-lo. Sem perceber a origem do meu problema, errei por todo o tipo de literatura esconsa a que pude chegar as mãos. Li continuações de ficção científica não autorizadas pelos autores dos livros originais, li pequenos romances de cordel que se vendem nas estações de comboio e contos pornográficos homossexuais com títulos como As Traças. Nada conseguiu apaziguar-me. Comecei a sofrer como um viciado a que recusassem a única droga de que precisa, porque já ler não me acalmava, não ler era-me impossível. E foi assim até que tropecei na solução.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

dawning dust

Por vezes um pequeno
engano pode causar
torrentes de acusações
e terramotos de sentimentos,
deslocando lealdades
e entoações. quando na
verdade o que interessa
é a procura de uma forma
comum de mal entendido.

18-10-2009

domingo, 25 de outubro de 2009

Sur l'amertume

Le poème est toujours marié à quelqu'un.
René Char

Tous ce que je peux vouloir
c'était écrasé, avalé par les
ponts infinies de mon passé
contrit, plein de regrets que
j'ai tenté d'oublier.

Je pense à tuer, l'âme
jalouse de rencontres et
caresses. Serait-il tout
un songe insensé?
La solitude, ça fatigue!, et
moi je ne veux que d'être
regardée...

Mais l'amour est aveugle,
et cela tu le sais.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Desvanecer

O tempo que levamente vamos desfolhando
cheira a baunilha e a outras doçuras
de amor partilhado.

17-10-2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Campos de estrofes

O poema ergue-se, expectante,
desafiando o mundo do alto dos
seus versos mais secretos
e contidos. Não espera nada da
verdade, nem das pessoas, mesmo
as que ainda o lêem;
Sabe intimamente que só precisa
de palavras para se compor, e de
coragem para sobreviver à
fragilidade das suas pétalas.
Questiono luz por entre
os escombros encontro
verdades que não procurei.

Por entre os bosques cerrados
das vontades que já não
são minhas acoita-se a noite.

Sou poeira de estrelas ácidas
de afecto e justificação,
campos minados de insinuações.

Corro a procurar-me,
não me avisto - quem quererá
perder-se comigo?

1 de Março de 2008

Começar

Decidi juntar toda a poesia que possivelmente escrevi aqui para, frágil que é, a expor aos temporais, e ver se resiste.